20/07/2024

Ocupação exclusiva de imóvel de espólio.

Uma possibilidade estratégica para o pagamento do imposto.

Em muitos inventários o pagamento do imposto se revela um problema, que acaba por ser proporcional ao valor a ser pago e à eventual falta de liquidez dos bens inventariados.

Quando se discute o tema, algumas saídas são tradicionalmente citadas: parcelamento, contrato particular de promessa de compra e venda, cessão de direitos hereditários, pagamento exclusivo por um dos herdeiros, por exemplo. Mas há uma oportunidade oculta muitas vezes não verificada pelos profissionais envolvidos, que é a ocupação exclusiva de bem pertencente ao espólio.

A hipótese pode ser fracionada em dois aspectos, para um melhor entendimento. Inicialmente, em relação à possibilidade ou não do arbitramento de aluguéis de bens de espólio. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 182 DO STJ. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. ALUGUÉIS. BEM IMÓVEL. ESPÓLIO. USO EXCLUSIVO. HERDEIRO. DEVER DE PAGAMENTO DE ALUGUEL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284 DO STF. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.


2. A decisão recorrida encontra amparo na jurisprudência do STJ, que considera “possível a fixação de aluguéis pela utilização de bem deixado pelo autor da herança exclusivamente por um dos herdeiros” (AgInt no AREsp 889.672/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 10/03/2017).


O segundo ponto mostra-se mais sutil, sendo de vital importância para a estratégia aqui discutida: a manifestação da discordância da ocupação exclusiva. Muitas vezes esse questionamento surge depois de anos de litígio, quando é levantada a hipótese de cobrança retroativa.

Nesse contexto, cabe ao profissional ter atenção e verificar o potencial estratégico, realizando a manifestação de discordância, para que se respalde no entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DE ALUGUEL. HERDEIROS. UTILIZAÇÃO EXCLUSIVA DO IMÓVEL. OPOSIÇÃO NECESSÁRIA. TERMO INICIAL.
– Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva.
– Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
REsp 570723 RJ 2003/0153830-0


Outro aspecto importante do tema aqui discutido é a desnecessidade de inventário distribuído para tal oposição, conforme decisão constante do processo 0735255-55.2021.8.04.0001, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.

Portanto, em termos simples, diante do binômio litígio e ausência de valores para pagamento do imposto, é importantíssimo que o advogado providencie a manifestação da discordância da ocupação exclusiva o quanto antes. Assim, garante a discussão de valores desde logo, além de trazer aspecto estratégico que pode ser importante em favor do seu cliente quando de tentativas de acordo. Isso porque aquele que se vê na situação de devedor poderá ser mais flexível na negociação.

Obviamente, para que se levante tal questão, o profissional deverá considerar a situação de seu cliente, caso ocupe exclusivamente bens, de forma que a discussão nesse sentido pode acabar por ser negativa.

Como último ponto do tema em comento, passa-se a considerações sobre haver necessidade de processo próprio, por ser o arbitramento de aluguéis potencial questão de alta indagação.

Uma pesquisa jurisprudencial apontará decisões das mais variadas naturezas. A exposição aqui realizada trará evidências de que é possível o trato do tema pelo próprio juízo do inventário.

A controvérsia sobre a possibilidade de decisão pelo juízo em regra se dará em torno de ser suficiente ou não o conjunto de provas documentais trazido ao processo. A decisão ocorrida no âmbito do processo 5093411-83.2023.8.09.0000 pode ser utilizada para entender o sentido de uma argumentação em favor da apreciação da questão pelo juízo do inventário. Não apenas da argumentação, mas do entendimento de seus limites diante do caso concreto.

Expõe-se o trecho em que há o que parece ser o cerne do raciocínio:


A despeito da incontroversa natureza cível da ação de arbitramento de alugueis, sobreleva destacar a especial circunstância de se tratar de imóvel que compõe o espólio, evidenciando, por conseguinte, discussão atinente à herança. A toda evidência, a matéria objeto da demanda está relacionada a questões debatidas no bojo da ação de inventário, havendo risco de prolação de decisões conflitantes, conforme ilustra-se pela disposição inserta no parágrafo único do artigo 647 do Código de Processo Civil, (…).


Partindo dessa intelecção, é possível concluir que a questão relacionada a arbitramento de alugueis não se mostra de grande complexidade probatória, devendo ser decidida no juízo sucessório.



Perfilhando esse mesmo entendimento, a Corte Cidadã já decidiu que o “ajuizamento de ação de rito ordinário, por um herdeiro contra o outro, cobrando o aluguel pelo tempo de ocupação de um dos bens deixados em testamento pelo falecido, contraria o princípio da universalidade do juízo do inventário, afirmada no art. 984 do Código de Processo Civil, uma vez não se tratar de questão a demandar ‘alta indagação’ ou a depender de ‘outras provas’, mas de matéria típica do inventário, que, como cediço, é o procedimento apropriado para proceder-se à relação, descrição e avaliação dos bens deixados pelo falecido. REsp 190.436/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Quarta Turma, j. 21/6/2001, DJ 10/9/2001, p. 392)”.
Processo 5093411-83.2023.8.09.0000, Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.


Em suma, já que o inventário enfrentará, em tese, questões de valores referentes aos bens transmitidos, a decisão a respeito do arbitramento de aluguéis aproveitaria informações levantadas no próprio processo, pois o aluguel tem íntima ligação com o valor do imóvel.

No entanto, há limitações que devem ser consideradas pelo profissional, o que se listará a seguir.

A primeira delas diz respeito à própria definição do valor do bem no âmbito do processo. A lógica do Código de Processo Civil para as espécies de inventário – cada uma com suas peculiaridades – é a realização de avaliação de forma residual. Portanto, o primeiro ponto a se considerar é a forma de definição do valor do bem em questão e seus demais impactos. Há varas que têm dificuldades para realização de laudos de avaliação, o que pode ser um problema para o andamento do inventário como um todo.

Outro aspecto é a limitação que o rito pode impor à determinação em âmbito judicial do valor do bem em questão, tema de natureza processual mais aprofundada, discutido com a devidamente no conteúdo de apoio à mentoria. Mas como regra geral, parece pouco provável que o juiz competente aprecie pedido referente a arbitramento de aluguéis se não houve deliberação a respeito do valor dos bens em questão.

Feitas as considerações teóricas sobre o tema, obviamente as decisões dependem totalmente da configuração do caso concreto. No entanto, o profissional deve ter ideia das possibilidades estratégicas, para que possa sempre adotar o melhor caminho diante de cada hipótese.

JONATAS ALBINO DO NASCIMENTO
Mestre em Direito, Inspetor Fiscal na SEFAZ/SP, Pós-graduado em Direito Público, mentor e professor na área de Sucessões.

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