O grave erro na matéria do Valor Econômico sobre ITCMD
Matérias de 17/07/2024 trazem potencial prejuízo ao bolso do cidadão.
O jornal Valor Econômico traz, na sua edição do dia 17 de julho de 2024, duas matérias sobre ITCMD, fazendo expressa correlação entre elas, induzindo à conclusão de que a Operação Loki, promovida pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, estaria pautando suas notificações em entendimento afastado por decisões recentes da Corte Paulista.
Com o devido respeito aos responsáveis pelas informações que lá constam, há um erro grave no conteúdo publicado, que pode levar a atuações se levados a cabo por advogados e contribuintes.
Antes de adentrar aos detalhes técnicos, ressalto que todas as informações que servem de base para o presente texto são de caráter público, portanto acessíveis a qualquer cidadão com acesso à internet. Ainda, o autor do presente texto fala em nome próprio, não sendo porta-voz de qualquer órgão público nestas palavras.
Na primeira matéria sobre ITCMD, intitulada “São Paulo notifica milhares de contribuintes por falta de pagamento do imposto sobre doações”, o jornal cita as palavras de Jefferson Valentim, que menciona que as notificações são emanadas em consonância com o entendimento da Corte Paulista sobre a potencial ocorrência de doações eventualmente declaradas como negócio jurídico oneroso.
Neste ponto, o jornal traz o seguinte conteúdo, se referindo às palavras do fiscal: “Segundo ele, há jurisprudência favorável à Fazenda Paulista no TJSP – os últimos acórdãos sobre o assunto, porém, têm sido mais favoráveis aos contribuintes (leia mais abaixo).” Ressalte-se, o “leia mais abaixo” é texto do jornal, apontando para a matéria seguinte. Ou seja, o jornal afirma que as decisões recentes vão contra o que fora colocado por Valentim, apontando para o conteúdo seguinte.
Na segunda matéria, intitulada “Decisões do TJSP anulam cobranças de ITCMD”, dois trechos são importantes. O primeiro deles afirma que “A jurisprudência do TJSP tem se consolidado a favor dos contribuintes quando o assunto é a cobrança do ITCMD em contratos de compra e venda de cotas sociais de empresas.” Em seguida, afirma que “o argumento vai de encontro ao aplicado pela SEFAZ-SP em autos e infração e na Operação Loki”.
Os dois processos citados para respaldar tais afirmações são os de números 1001299-20.2023.8.26.0024 e 1000353-04.2023.8.26.0168. Em ambos os processos a Corte Paulista afastou a cobrança promovida pela SEFAZ-SP tendo por base o valor patrimonial real quando da valoração de cotas sociais. Destaque-se, situação em que é unânime a posição do TJ-SP pelo uso do valor patrimonial contábil.
Para um melhor entendimento do tema, transcreve-se trechos de cada julgado.
APELAÇÃO Ação anulatória de débito fiscal Escopo de anulação de auto de infração e imposição de multa ITCMD Quotas de Capital de Sociedade Limitada Alegação do autor de transferência onerosa de quotas do capital da empresa e não doação AIIM lavrado no pressuposto de doação, porquanto ocorreu cessão das quotas por valor inferior ao de mercado Prova documental comprobatória da transferência onerosa das quotas – Aquisição de quotas de sociedade – Pressuposto fático da ocorrência da transferência patrimonial, por doação, não confirmado Exação tributária indevida Inexigibilidade do crédito fiscal Base de cálculo do ITCMD, em caso de doação que deverá ser o valor patrimonial das quotas (valor contábil) e não o valor de mercado, nos termos do disposto no art. 14, § 3º, da Lei Estadual nº 10.705/00 – Precedentes desta Corte – Sentença mantida RECURSO DESPROVIDO.
Processo nº 1001299-20.2023.8.26.0024 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
APELAÇÃO. Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações de Quaisquer Bens e Direitos – ITCMD. Ação Anulatória. Fisco que atribui para as quotas sociais transmitidas o valor de mercado. Artigo 14, §3º, da Lei Estadual nº 10.705/00 que prescreve que referido tributo deve ser recolhido sobre o valor patrimonial contábil daqueles bens. Inexistência de prova de doação simulada. Sentença de procedência que merece ser mantida. Honorários Advocatícios Aplicação do Tema 1.076 do STJ à espécie. RECURSO DA FAZENDA DESPROVIDO, ACOLHIDO O APELO DO PATRONO DO AUTOR.
Processo nº 1000353-04.2023.8.26.0168 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
O grave erro tem por base a ligação do que fora discutido nos processos mencionados à Operação Loki, que toma por base o valor patrimonial contábil, em plena harmonia com o entendimento aplicado pela Corte Paulista em seus julgados. Ou seja, não há qualquer ligação das decisões citadas com o procedimento adotado na operação. Uma estratégia que se paute por não atendimento aos avisos de autorregularização pode acabar por levar o cidadão à perda da oportunidade dada nesta fase da operação, além de auto de infração com imposição de multa equivalente a 100% do imposto.
O posicionamento citado adotado pelo órgão fazendário é exposto no vídeo que relacionado à operação, disponibilizado no YouTube.
As matérias fazem correlação incorreta e induzem a erros graves, com potencial significativo de dano às pessoas envolvidas nos fatos objeto da Operação Loki.
JONATAS ALBINO DO NASCIMENTO
Mestre em Direito, Inspetor Fiscal na SEFAZ/SP, Pós-graduado em Direito Público, palestrante, mentor e professor na área de Sucessões.